Das epifanias da vida



Ontem a noite aconteceu um fato que me fez repensar muita coisa sobre a vida. Fui visitar minha avó em sua vila simpática. Durante grande parte da minha infância eu corri por aquelas ruas conhecendo as tortuosidades dos becos, os melhores esconderijos, sabia a cor de cada casa, seus moradores. Lá era meu refúgio de filho único, de pais separados e de mãe que trabalha. 

Caminhava no piloto automático por aquele lugar que não representava nada. Outras casas, novos moradores e eu era outra pessoa. Mais a frente, vi um grupo de crianças em círculo discutindo as regras de alguma brincadeira. Nossa! Como gritavam! Eu com meu humor de velho rabugento fechei a cara e franzi a testa, continuando meu caminho. Infelizmente, teria que passar por eles.

Somente quando cheguei bem perto, reconheci alguns rostos de crianças que fizeram parte da minha infância. Crianças que eram obrigadas a participar das brincadeiras por serem irmãs mais novas dos meus coleguinhas. Eram sempre "café-com-leite" e quase sempre estragavam tudo.

Naquele momento, feito cena de cinema, me veio a cabeça as lembranças de quando era eu naquelas rodinhas, de como costumava liderar as brincadeiras, correndo livre, sem preocupações. As vizinhas mais velhas gritando, ameaçando jogar água. Tudo uma aventura.

A vida é uma coisa engraçada. Sem me dar conta minha geração passou o bastão para essas crianças que hoje repetem as mesmas coisas que fazíamos. Eu me pergunto em que ponto eu me perdi daquela criança, tão leve. Acho que isso faz parte do processo de amadurecimento que temos que passar, encarar a vida é aceitar o peso dos anos.

Imaginei daqui a alguns anos as crianças pequenas de hoje correndo repetindo os mesmos rituais com a próxima geração, e eu mais velho e rabugento, reclamando: COMO GRITAM!

Tive que prosseguir meu caminho, mas talvez uma pessoa diferente. Talvez esse fato simples tenha me reconectado com quem eu costumava ser e essa repentina vontade de escrever seja o retorno dessa criança livre.

Viver é nunca perder o encantamento.


"E a meninada respirava o vento
Até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você, e no amanhã, nós"





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