Dos aprendizados cotidianos


Há muito tempo meu coração não encontrava o de um animal. Depois da infância eles perderam o encanto para mim e eu passei a considerar pessoas apaixonadas por animais como imensamente bobas. Recentemente, ganhei uma cadela preta e foi um daqueles amores à primeira vista, daqueles que só acontecem nos filmes. Tão pequena, frágil e carente de amor Luna foi adotada como uma filha, irmã e amiga. 

Desde os dois meses de idade até os sete que hoje tem Luna destruiu valiosos tesouros que eu guardava, inúmeros pares de chinelos e sapatos, móveis, roupas, controle da TV, celular e tudo mais que se possa imaginar. Mas, nos raros momentos em que fica quieta, Luna me ensina lições valiosíssimas.

Luna me ensinou que a adoção é um ato de amor muito reconfortante e que apesar de suas travessuras, o amor que ela me dá todos os dias supera tudo. Ela me ensinou que o verdadeiro amor é paciente, que aceita imperfeições. Me ensinou que eu não posso exigir que as pessoas sejam do jeito que quero para amá-las. O amor não tem lógica para acontecer.

Luna me ensinou que os seres humanos adoram "dar valor" ao seu amor. Tudo é monetário, tudo é estampa, é casca. Dizem na rua: "Ah, mas ela não é de raça". Pouco me importa se não tem pedigree, pouco me importa se ela não é um poodle branco. Amor não tem raça nem cor.

Luna me ensinou que se deve receber quem se ama sempre sorrindo para que ela nunca esqueça o quanto é especial e o quanto você esperou que ela retornasse. Me ensinou também a rosnar para quem tem energias negativas dentro de si.

Luna, preta como a noite, com seus olhos de Lua, esquisita e diferente como a personagem Luna Lovegood de onde retirei seu nome, me leva para passear todos os dias e me ensina que eu não sei nada da vida.

"Cuide bem do seu amor
Seja quem for..."




Das sensações do cotidiano


Viver é sentir. Desde nosso nascimento até nossa morte a única coisa que realmente faz sentido na vida são aquilo que sentimos.

Sensações boas ou ruins, sentimentos bons ou ruins nos acompanham sempre e nos fazem sentir a vida de um jeito diferente.

Ontem, um sentimento tão bobo me invadiu de felicidade. Fui visitar meu campus pela tarde (coisa que não fazia há quase dois anos) e foi como se eu me reencontrasse. Uma sensação de voltar no tempo, tão forte que eu fui capaz de sentir tudo aquilo de novo.

O mais incrível é que estou lá todas as manhãs, todos os dias, mas minhas retinas estão acostumadas a tornar aquele ambiente comum que passei a me tornar indiferente.

Essa simples situação me fez perceber o quanto podemos ser felizes se procurarmos a sensação certa: o encantamento.

Encantar-se com coisas simples como um dia de sol, um dia de chuva, um arco-íris, uma flor ou inseto bonitos, uma criança correndo, enfim, é como dizem, o valor está no mais simples...


Você vai rir sem perceber,
Felicidade é só questão de ser...





Das dificuldades dos dias



A vida nesses últimos dias não tem sido nada fácil. Na verdade, ela nunca foi. Mas, só recentemente eu me dei conta do quão estou enfadado de dançar sua música, de sangrar os pés para me contorcer, me adaptar e ainda assim permanecer sorrindo. Ninguém nunca me disse que eu deveria ser forte, ninguém me disse, no entanto, que eu tinha direito ao medo, a insegurança.

Eu fui criado para ter grandes sonhos, pessoas que transferiram a mim seus próprios sonhos e com os quais eu tive que crescer. Carregar seus sonhos e o dos outros é um dos fardos mais pesados para se levar. As frustrações são bem mais fortes, a inércia é bem mais cruel. O peso que eles fazem sobre seus ombros chegam a impedí-lo de caminhar.

Mas, talvez não seja nem isso. Talvez isso seja uma desculpa que invento pra justificar o fato de tudo estar dando tão errado. Há algum tempo, eu me imaginava nessa idade atual. Em meus devaneios eu já estaria formado, ganhando um bom salário e sendo muito feliz com minha profissão. NADA DISSO ACONTECEU. Tudo por minha culpa. 

A função do destino é ser o carrasco? É soprar no seu ouvido que nada vai dar certo? A função do destino é conspirar contra e fazer com que tudo seja o contrário?

Eu sei que tudo tem seu tempo, que devemos ir com calma e que sonhos se reinventam, mas nem sempre você consegue o auto-controle acreditar na teoria da vida quando a prática lhe mostra o contrário.

A vida nesses últimos dias não tem sido nada fácil. Na verdade, ela nunca foi. Mas, essa noite eu só queria descançar e esquecer de tudo.

"A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar as coisas boas
Que eu já fiz pra quem eu amo"



Das epifanias da vida



Ontem a noite aconteceu um fato que me fez repensar muita coisa sobre a vida. Fui visitar minha avó em sua vila simpática. Durante grande parte da minha infância eu corri por aquelas ruas conhecendo as tortuosidades dos becos, os melhores esconderijos, sabia a cor de cada casa, seus moradores. Lá era meu refúgio de filho único, de pais separados e de mãe que trabalha. 

Caminhava no piloto automático por aquele lugar que não representava nada. Outras casas, novos moradores e eu era outra pessoa. Mais a frente, vi um grupo de crianças em círculo discutindo as regras de alguma brincadeira. Nossa! Como gritavam! Eu com meu humor de velho rabugento fechei a cara e franzi a testa, continuando meu caminho. Infelizmente, teria que passar por eles.

Somente quando cheguei bem perto, reconheci alguns rostos de crianças que fizeram parte da minha infância. Crianças que eram obrigadas a participar das brincadeiras por serem irmãs mais novas dos meus coleguinhas. Eram sempre "café-com-leite" e quase sempre estragavam tudo.

Naquele momento, feito cena de cinema, me veio a cabeça as lembranças de quando era eu naquelas rodinhas, de como costumava liderar as brincadeiras, correndo livre, sem preocupações. As vizinhas mais velhas gritando, ameaçando jogar água. Tudo uma aventura.

A vida é uma coisa engraçada. Sem me dar conta minha geração passou o bastão para essas crianças que hoje repetem as mesmas coisas que fazíamos. Eu me pergunto em que ponto eu me perdi daquela criança, tão leve. Acho que isso faz parte do processo de amadurecimento que temos que passar, encarar a vida é aceitar o peso dos anos.

Imaginei daqui a alguns anos as crianças pequenas de hoje correndo repetindo os mesmos rituais com a próxima geração, e eu mais velho e rabugento, reclamando: COMO GRITAM!

Tive que prosseguir meu caminho, mas talvez uma pessoa diferente. Talvez esse fato simples tenha me reconectado com quem eu costumava ser e essa repentina vontade de escrever seja o retorno dessa criança livre.

Viver é nunca perder o encantamento.


"E a meninada respirava o vento
Até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você, e no amanhã, nós"